Um garoto anda de bicicleta em direção a uma turbina de energia eólica, ao fundo vemos o número 2024.

Tendências do ESG em 2024: Uma Perspectiva de Maturidade

A análise das principais tendências para ESG e sustentabilidade para 2024 revela um cenário de consolidação institucional e regulatória (1.0) e uma crescente demanda para um ESG corporativo estratégico (2.0) com base inclusiva (3.0).

Para compreendermos esse contexto atual, relembremos os Níveis de Maturidade ESG:

  • ESG 0.0 – Pontual: Ações de impacto social e ambiental são iniciativas isoladas e tipicamente filantrópicas, baseadas nas preferências pessoais da liderança, sem integração estratégica com a empresa.
  • ESG 1.0 – Institucional: O ESG é orientado por conformidade com leis e normas, com práticas implementadas em departamentos específicos, focando em “fazer o certo” conforme valores externos e internos.
  • ESG 2.0 – Estratégico: Integração do ESG às operações e estratégias de negócios, buscando resultados mensuráveis e alinhamento com a lucratividade, competitividade e crescimento da empresa.
  • ESG 3.0 – Inclusivo: Abordagem sistêmica e interdependente do ESG, focando nas relações da empresa com seu ambiente e território de atuação, incluindo stakeholders nas decisões e direcionamentos estratégicos.
  • ESG 4.0 – Integrado: Sustentabilidade/ESG é intrínseca à estratégia e essência do negócio, com impacto positivo como parte indissolúvel das atividades econômicas da empresa e uma gestão consciente e íntegra.
  • ESG 5.0 – Regenerativo: Nesse nível de maturidade, a organização atua como um organismo coletivo focado na evolução da sociedade e do planeta, sua existência sendo um catalisador essencial de regeneração.

Em 2024, o cenário do ESG continua em crescimento vertiginoso, impulsionado por uma crescente consciência e ao mesmo tempo pressão institucional e de mercado.

A adoção de critérios ESG se materializa não apenas para conformidade ou gestão de riscos, mas como uma oportunidade de expandir modelos de negócios integrados com a sustentabilidade e geradores de transformações efetivas na sociedade e no planeta.

Esse contexto foi principalmente impulsionado pelas crises socioambientais e pelas movimentações políticas globais do último ano.

O ano de 2024 marca, na prática, uma revisão completa dos processos de design, estratégias de aquisição, gestão financeira e práticas de marketing e comunicação relacionadas ao ESG.

Analisando esse momento, identificamos as seguintes tendências:

1. Revisão de Paradigmas Internos

As pessoas estão inseridas em ambientes que estimulam um questionamento profundo sobre seus paradigmas internos e formas de pensar e de agir.

Uma postura de coragem e abertura individual se torna assim um atributo essencial para navegar no contexto dos negócios a partir de 2024.

O ESG, tradicionalmente visto como um risco (ESG 0.0), obrigação (ESG 1.0) ou oportunidade (ESG 2.0), se torna cada vez mais essencial para o significado da existência dos negócios e carreiras (ESG 3.0 e avante).

Há uma forte tendência de ampliação na ênfase em diversidade de pensamentos e crenças dentro e fora das organizações, na postura com relação ao compromisso com a diversidade e a tolerância, no posicionamento de corporações sobre questões que vão além de seus negócios, entre outros aspectos, que exigem das lideranças envolvidas uma expansão de seus mindsets atuais. 

2. Ambiente Politizado em torno do ESG

Como visto em 2023, o ESG permanece como um forte tópico partidário, que tipicamente é baseado em uma percepção absolutista, polarizada e pregacionista (maturidade 1.0).

As empresas precisam permanecer cautelosas ao discutir sustentabilidade externamente, especialmente quando não há uma ressonância interna real e íntegra quanto ao tema.

A diversidade de legislações pró e contra o ESG nos Estados Unidos tende a continuar, enquanto em outros países conotações políticas variadas do ESG começam a tomar corpo, principalmente em momentos de forte movimentação política, como no caso de eleições.

Nas empresas, a busca por soluções dentro do guarda-chuva do ESG como mapeamento de stakeholders, gestão de riscos socioambientais e práticas de diversidade e inclusão tendem a ganhar ainda maior relevância em 2024.

3. Regulação e Due Diligence

As regulamentações globais em ESG estão aumentando, exigindo maior transparência e responsabilidade, especialmente em cadeias de suprimentos e impactos ambientais (ESG 1.0).

O papel dos conselhos se torna crucial para manter as empresas situadas de forma adequada no ambiente econômico, político e regulamentário do ESG.

Isso inclui a qualidade do posicionamento das altas lideranças quanto a posições corporativas em questões políticas, sociais e ambientais, assim como as atitudes baseadas em tais declarações e posturas em relação à seus stakeholders.

4. Zero tolerância ao Greenwashing

Algo que continuará sendo fortemente intensficado é o movimento global de zero tolerância e combate ao greenwashing, ou seja, contra posicionamentos corporativos contendo afirmações superestimadas, exageradas ou falsas visando demonstrar um impacto socioambiental que na prática é pouco significativo ou inexistente.

Outros termos relacionados são socialwashing ou mesmo rainbowwashing (este relativo aos 17 ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

Além de uma mobilização orgânica da sociedade civil no mundo todo que se mantém atenta ao comportamento e discurso das instituições e empresas públicas e privadas (ESG 1.0), várias iniciativas e ações regulatórias oficiais vêm sendo implementadas para coibir tais práticas enganosas relacionadas à alegações de sustentabilidade e garantir que as empresas sejam transparentes, íntegras, honestas e precisas em suas atitudes, práticas e posicionamentos (ESG 1.0).

Regulações Globais de combate ao greenwashing

Na União Europeia, por exemplo, progressos consideráveis estão sendo aplicados visando a erradicação dessas práticas, como o EU Greenwashing Ban, uma política que deve ser implementada até 2026 para empresas que assumirem a transparência socioambiental, auditoria por terceiros e informações aos consumidores. 

Também foi adotada uma taxonomia verde, contendo um sistema de classificação que visa fornecer um guia claro sobre quais atividades econômicas podem ser consideradas ambientalmente sustentáveis.

Essa taxonomia é parte do European Green Deal, que inclui legislações e normativas rigorosas para evitar o greenwashing em produtos financeiros e corporativos.

A FCA (Financial Conduct Authority) do Reino Unido está gradualmente aumentando a supervisão sobre como as empresas financeiras reportam seus produtos e fundos “verdes” ou sustentáveis, exigindo que as alegações sejam apoiadas por evidências claras e não sejam enganosas para os investidores.

De forma similar, a SEC (Securities and Exchange Commission) nos Estados Unidos tem intensificado seus esforços para examinar e, se necessário, punir empresas por declarações enganosas relacionadas a suas credenciais ambientais.

A SEC está trabalhando na elaboração de regras mais rígidas para que as empresas divulguem seus riscos e impactos relacionados ao clima de maneira mais transparente e padronizada.

Na Austrália, a regulamentação da ACCC (Australian Competition and Consumer Commission) em 2023 se oficializou como um guia para impedir o greenwashing no marketing e na publicidade, assegurando que as alegações ambientais feitas pelas empresas sejam verdadeiras e verificáveis.

No Canadá, a Standards Council of Canada (SCC) publicou em 2023 um guia chamado Beyond Disclosure: Driving Performance & Trust in ESG, que contém diretrizes específicas para a padronização do ESG nacional e internacionalmente.

Como destaca o próprio órgão, “o SCC pretende permitir que a prática do ESG se torne mais impactante, orientada por prioridades e inclusiva das necessidades e oportunidades canadenses”.

Combate ao greenwashing no Brasil

No Brasil, esse movimento contra o greenwashing também continua ganhando impulso em 2024, embora o país ainda esteja no processo de desenvolver e fortalecer um quadro regulatório mais robusto nesse sentido.

Algumas iniciativas que podem ser destacadas é a atuação do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que tem sido ativo no monitoramento e na regulação da publicidade para evitar o greenwashing, e da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão regulador do mercado de valores mobiliários no Brasil, que tem enfatizado a importância da transparência nas informações divulgadas pelas empresas, incluindo aquelas relacionadas a questões ambientais e de sustentabilidade.

5. Integração entre Financeiro e Sustentabilidade

A sustentabilidade está se tornando profundamente incorporada às bases financeiras das empresas.

A cada ano surgem modelos de avaliação financeira, contábil e de riscos que facilitam a incorporação, avaliação e divulgação de impactos ambientais, sociais e culturais gerados pelas empresas.

Essa integração tem se manifestado através da adoção de padrões de relatórios financeiros que incluem indicadores de sustentabilidade, alinhados às normativas globais como as estabelecidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB) e pela Global Reporting Initiative (GRI).

Em 2023, o Brasil se tornou o primeiro país a adotar oficialmente o padrão global para divulgações financeiras de sustentabilidade criado pelo ISSB, ligado à IFRS Foundation.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) endossou essas normas através de uma resolução, com as novas regras entrando em vigor em 1º de novembro de 2023, inicialmente de forma voluntária.

Empresas listadas, fundos e companhias securitizadoras podem escolher divulgar relatórios seguindo o ISSB a partir do exercício de 2024, com a expectativa de que a divulgação se torne obrigatória a partir de 2027.

O objetivo das normas é padronizar a divulgação de riscos e oportunidades de sustentabilidade, tornando as informações financeiras relativas à sustentabilidade comparáveis globalmente.

As normas são divididas em dois conjuntos, S1 e S2, abordando informações gerais de sustentabilidade e climáticas, respectivamente, e exigindo detalhamento em governança, gestão de riscos, estratégia e metas e métricas.

6. Foco em Cadeias de Suprimento Éticas

A integração do ESG na cadeia de valor permanece como protagonista no cenário ESG em 2024, pois representa uma evolução crucial no sentido das práticas sustentáveis e responsáveis se estenderem além das fronteiras de uma empresa, permeando toda a sua rede de fornecedores e parceiros (ESG 3.0).

Isso significa conhecer e aplicar metodologias que avaliam e influenciam ativamente as práticas de fornecedores, parceiros e clientes.

Neste contexto, ferramentas desempenham um papel vital, como a EcoVadis, uma plataforma que oferece avaliações e pontuações de sustentabilidade para empresas, abrangendo uma ampla gama de critérios de ESG e ajudando a identificar riscos e oportunidades na cadeia de valor.

Outra tendência é o surgimento de movimentos e certificações setoriais, como o selo Origem Sustentável, uma iniciativa brasileira pioneira e única no mundo, representando a primeira e única certificação específica para empresas produtoras de calçados e de insumos do setor calçadista, visando avaliar e atestar as práticas sustentáveis dessa cadeia de valor.

Além disso, leis recentes, como a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa da UE, estão impulsionando as empresas a priorizar fontes éticas de materiais e aderência a padrões justos de trabalho. 

7. Foco em Biodiversidade e Saúde Planetária

A gestão sustentável da biodiversidade é um tópico emergente e que vai se fortalecer em 2024, e que está fortemente presente nas definições da COP28.

Como exemplo de um esforço coletivo global, a Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD) é uma iniciativa global que visa estabelecer um framework para que as empresas e instituições financeiras possam relatar e avaliar riscos e impactos relacionados à natureza em suas atividades e decisões de investimento.

A TNDF oferece recomendações de divulgação, destacando dependências, impactos, riscos e oportunidades relacionados à natureza para governos, instituições e corporações.

Esses padrões são consistentes com outros frameworks e modelos atuais de base para relatórios ESG.

8. Adoção de objetivos aspiracionais

O ano de 2024 será marcado pela adoção de um novo modelo de avaliação de ESG criado pelo B Lab Global, em sua certificação de Empresa B, e que materializa a evolução da postura sustentável nas empresas.

O eixo central é a adoção, voluntária e formal, e também obrigatória para obtenção de uma das principais certificações em ESG do mundo, de objetivos aspiracionais corporativos (ESG 3.0, rumo ao ESG 4.0).

Os objetivos aspiracionais são metas ambiciosas que uma empresa estabelece para melhorar seu desempenho em sustentabilidade, refletindo um compromisso profundo e abrangente com o progresso social e ambiental.

Como exemplo, o objetivo aspiracional da empresa americana Patagônia é descrito da seguinte maneira: “We’re in business to save our home planet“, ou seja, em tradução livre, “existimos como negócio para salvar nosso planeta, nossa casa”.

Existem oito grandes tópicos prioritários para orientar a definição de objetivos aspiracionais e formar a base para um modelo de negócios socialmente responsável e sustentável:

  1. Propósito e Governança de Stakeholders, a importância de um mecanismo definido para promover um sistema econômico regenerativo;
  2. Engajamento dos Trabalhadores, a necessidade de uma comunicação bidirecional, empoderamento e respeito aos trabalhadores;
  3. Salários Justos, todas as pessoas acessando um padrão de vida decente e igualdade salarial;
  4. Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão (JEDI), ambientes de trabalho inclusivos e contribuição para comunidades equitativas;
  5. Direitos Humanos, o tratamento digno e respeitoso a todas as pessoas;
  6. Ação Climática, foco em medidas baseadas na ciência para combater as mudanças climáticas;
  7. Circularidade e Responsabilidade Ambiental, atuação ambiental proativa e contribuição para a economia circular;
  8. Ação Coletiva, liderança em soluções compartilhadas para uma economia inclusiva e regenerativa. 

O ESG em 2024 e além

Observaremos em 2024 a continuidade dessa transição significativa do ESG rumo a uma postura cada vez mais inclusiva, integrada e proativa, refletindo uma consciência crescente em um ambiente de negócios que, em sua grande maioria, ainda está imaturo em termos de sustentabilidade.

Este ano tem o potencial de ser marcado por um enfoque renovado na autenticidade e na ação proativa, com empresas em todo o mundo evoluindo da adoção de práticas mais responsáveis e transparentes à transformação completa de modelos de negócios.

Portanto, o ano de 2024 aponta como um ano de ação decisiva e de inovação no campo do ESG.

Este cenário não será ausente de obstáculos consideráveis, sendo essencial saber superar os desafios e aproveitar as oportunidades sem precedentes que surgirão ao longo deste ano.

Para o futuro, testemunhamos a emergência de uma era onde a sustentabilidade regenerativa é a base fértil por onde o sistema econômico evolui (ESG 5.0).

A adoção de objetivos aspiracionais sinaliza alguns dos primeiros passos na jornada de mudança na mentalidade empresarial com uma visão mais holística e regenerativa dos negócios.

As altas lideranças nas empresas estão cada vez mais conscientes de que o sucesso e a legitimidade dependem da energia que canalizam para a interdependência, deixando fluir sua capacidade de contribuir positivamente para o planeta e a humanidade.

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Paulo Cruz Filho

Paulo Cruz Filho atua com impacto social, liderança integral, espiritualidade & business e expansão da consciência humana e dos negócios. Co-Fundador & Soul of Flowing da We.Flow – Together for a Better World, uma empresa B internacional voltada à expansão de consciência e de impacto de pessoas, comunidades, organizações e empresas. Atua internacionalmente pelo B Lab Global como Global Community Program Manager. Ex-Presidente do Comitê de ESG do World Trade Center Brasil Sul. Co-Fundador da AUDA – Business com Propósito & Alma. Co-Fundador da Integral Works – Business and Human Evolution. Host do Betterness Podcast. PhD em gestão estratégica de empresas sociais pela UQAM – Université du Québec à Montréal no Canadá. Autor dos livros “Liderança Integral. A Evolução do Ser Humano e das Organizações” e “Empreendedorismo Social e Inovação Social no Contexto Brasileiro”. Fundador e coordenador do programa executivo Integral Leadership Program e da pós-graduação em Empreendedorismo e Negócios Sociais na FAE Business School. Pai da Julie (5) e do Frederico (2).

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