Praticando a Comunicação Não-Violenta no ambiente de trabalho

Falhas na comunicação são responsáveis por obstáculos que dificultam a compreensão mútua, gerando conflitos e mal-entendidos. A Comunicação Não-Violenta surge como uma ferramenta para promover diálogos autênticos, empáticos e construtivos

A palavra comunicação vem do latim (communicare) e significa tornar comum, compartilhar. No trabalho, precisamos nos comunicar o tempo todo.

Imagine a seguinte situação: você precisa avisar para seus colegas de trabalho que a empresa decidiu não emendar o feriado, o que era uma prática comum e todos já esperavam, porém, excepcionalmente neste feriado todos terão que trabalhar. 

Você logo pensa: “Nossa, depois que eu dar esse recado tenho certeza que as pessoas irão ficar muito descontentes, algumas até furiosas, não sei se saberei lidar com isso sozinho”. 

É uma situação que pode gerar stress.

Porém, você não está sozinho

Ao decorrer deste texto você descobrirá que existe uma ferramenta de comunicação que poderá ser colocada em prática. Mais do que isso, a Comunicação Não-Violenta modificará a sua forma de enxergar as situações, promovendo a empatia e uma cultura pela paz.

Origem

A Comunicação Não-Violenta, também conhecida como CNV, foi fundada em 1960 pelo psicólogo estadunidense Marshall Rosenberg, sob influência de Mahatma Gandhi e sua luta sem violência pela independência da Índia pela Inglaterra em 1950 e por Martin Luther King Jr pela luta pelos direitos civis dos negros estadunidenses.

Ela é uma forma de abordagem cujo foco é estimular a harmonia e desenvolver a empatia nos relacionamentos interpessoais, tendo em vista a consciência de si, de como reagimos frente aos desafios da vida e de que forma a atitude do outro nos afeta.

Através da consciência de si, é possível estabelecer com o outro, uma experiência de maior conexão. A partir do que sentimos, de como nos expressamos e do que precisamos, nos tornamos mais abertos e mais confiáveis para com o próximo, favorecendo uma maior sintonia e facilitando a resolução de possíveis conflitos.

Os 4 componentes da CNV

A Comunicação Não-Violenta se inicia na percepção de nós mesmos e se expande para o entendimento do outro. Ela é realizada por meio de quatro componentes: observação, sentimentos, necessidades e pedidos.

1) Observação

O primeiro componente é formado pela separação de sua observação de sua avaliação ou julgamento

É a tentativa de tentar expressar de forma clara e honesta para a outra pessoa como enxergamos uma situação. Se utilizarmos um julgamento, é muito provável que o outro escute como crítica, criando uma resistência à escuta do que você deseja comunicar.

Também é preciso se atentar a palavras que representam um exagero de linguagem e confundem quem está ouvindo, gerando ruído na comunicação e provocando reações defensivas. 

Por exemplo: “Você está sempre ocupado”. A palavra “sempre” demonstra um exagero, pois é impossível uma pessoa estar sempre ocupada. Uma forma de expressar uma observação poderia ser: “Na segunda-feira tentei marcar uma reunião com você, porém vi que sua agenda estava cheia, assim como na terça e quarta-feira”.

Tente se lembrar de frases que você costuma falar que são avaliações. Experimente recriá-las somente com observações, expressando o que de fato realmente aconteceu.

Esse é o primeiro passo para uma Comunicação Não-Violenta.

2) Sentimentos

O segundo componente é a expressão de como nos sentimos

“Expressar nossa vulnerabilidade pode ajudar a resolver conflitos.” Marshall Rosenberg

Para expressarmos nossos sentimentos com clareza, devemos evitar palavras vagas ou genéricas, como, por exemplo, bem ou mal. Ex: “Sinto-me bem a esse respeito”. A palavra bem pode significar alegre, excitado, aliviado ou outras emoções. A ideia aqui é utilizar palavras que liguem a emoções específicas. Seguem alguns exemplos: “amoroso, calmo, contente, feliz, grato, relaxado, seguro, tranquilo…” 

Muitas vezes podemos falar numa reunião: “Sinto-me mal interpretado”. O problema ao utilizar essa frase é que ela não expressa um sentimento, mas sim o que achamos que a outra pessoa fez – nos interpretou mal. Nesse caso podemos substituir por: “Sinto-me frustrado” ou “Sinto-me desestimulado”.

A expressão dos sentimentos requer autoconhecimento e é esse o caminho para uma comunicação autêntica, olhar para dentro nunca é e nunca será fácil, porém com uma boa orientação e clareza é possível tornar o processo mais tranquilo. 

3) Necessidades

Aqui entra o desafio de expressar nossas necessidades que estão por trás dos nossos sentimentos. 

Quando, por exemplo, nos deparamos com uma situação onde alguém não entregou um trabalho no prazo, tendemos a ficar chateados, irritados e até magoados com a pessoa. 

Reflita para entender qual a necessidade que temos ao esperar uma entrega dentro do prazo?

 Ao invés de falar: “Você me deixa irritado toda vez que não cumpre o combinado. E agora terei que fazer tudo sozinho.” poderíamos substituir por: “Quando você não entrega o trabalho no prazo combinado, eu me sinto frustrado, pois o treinamos para que você seja capaz de cumprir com as entregas e eu necessito confiar nas suas habilidades e comprometimento com o trabalho.”

“Quando expressamos nossas necessidades, temos mais chance de vê-las satisfeitas.” Marshall Rosenberg

A partir do momento que formos capazes de nos conectar com o que necessitamos ficará mais fácil nos comunicar com as pessoas, pois iremos eliminar mais um ruído. 

O exercício de não colocar a culpa no outro é trabalhoso, pois temos a tendência de, como no exemplo anterior, atribuir a nossa frustração à falta de habilidade do outro, não levando em consideração o que realmente precisamos.

4) Pedido

O quarto e último componente da Comunicação Não-Violenta nos ajudará a fazer pedidos para os outros da forma mais assertiva possível, passando pelos três componentes anteriores para complementar nosso pedido.

Uma dica é começar utilizando uma linguagem positiva e expressando claramente o que queremos, e não o que não queremos. 

Caso o pedido seja vago, você estará ajudando seu interlocutor a ficar confuso em relação ao seu pedido. 

Para entendermos melhor se estamos pedindo algo a alguém, podemos nos perguntar: o que aconteceria caso ela não fizesse o que pedi? 

Se a pessoa não lhe atendesse e tivesse uma punição, seria uma exigência, caso contrário seria um pedido genuíno. E quanto mais transparentes formos em relação ao que queremos que a outra pessoa faça, mais chances temos de sermos atendidos. 

Algo que pode ajudar nesse momento é pedir para a outra pessoa repetir para nós o que acabamos de pedir, assim podemos corrigir a comunicação caso o retorno dela não seja exatamente aquilo que você quer – aqui vale comentar que essa é uma boa técnica de feedback para saber se a sua comunicação está assertiva ou não. E quando a pessoa retornar agradeça, expresse apreciação, invista na melhoria contínua dos seus diálogos.

Empatia

Para garantirmos nosso papel como pessoas buscando uma cultura pela paz, precisamos desenvolver essa habilidade essencial do ser humano: a empatia. 

Mas afinal de contas, o que é a empatia? Segue na sequência um vídeo conciso e poderoso sobre o poder da empatia. 

Mais do que nos colocarmos no lugar do outro, é necessário o desenvolvimento das nossas conexões

Um lugar de presença verdadeira, de escuta ativa, de intenção e vontade de querer melhorar os relacionamentos e as vidas que se cruzam. 

Sem empatia nós não conseguimos avançar, nós dependemos um do outro. 

Adicionar a empatia como componente extra da CNV se encaixa perfeitamente, pois assim a nossa conexão com o outro ficará completa, o que significa que a nossa comunicação tem a tendência de alcançar os resultados que atendam a todos.

Infográfico CNV

Praticando a CNV no ambiente de trabalho

Benefícios da CNV no ambiente de trabalho

Agora que passamos por todos os pontos da CNV, podemos listar vários benefícios ao unir essa ferramenta com a cultura da empresa, trazendo um ambiente mais integrado e com abertura para o diálogo:

  • Mais participação da equipe na tomada de decisões;
  • Maior qualidade nas discussões;
  • Liderança mais próxima dos liderados;
  • Promoção de uma cultura pela paz;
  • Melhora nos relacionamentos interpessoais;
  • Melhora no clima organizacional.

Outro aspecto importante da aplicação da CNV é a diferença entre um líder que possui essa ferramenta de comunicação e um que não possui.

Segundo um estudo recente da Gallup com mais de 120 mil trabalhadores, 70% do engajamento das equipes é atribuído à liderança.

E como garantir um bom engajamento?

Investindo em comunicação!

Ao utilizar a CNV em reuniões você garante que as pessoas são verdadeiramente ouvidas, e assim elas se sentem valorizadas e dispostas a melhorar o ambiente que estão inseridas, somando pontos para todos.

A CNV também pode facilitar feedbacks, tornando-os mais assertivos, construtivos e eficazes.

O estímulo a criatividade, a inovação e a solução de problemas mediante momentos de diálogo onde todos possam contribuir de forma positiva e genuína gera não só frutos positivos para os projetos, como também para a vida das pessoas envolvidas neles.

Saber se posicionar e prestar atenção nesses momentos promove o desenvolvimento da autoconsciência, inteligência emocional e habilidades sociais. 

Exemplos de aplicação da CNV no ambiente profissional

  • Observar os fatos sem julgar ou interpretar. Por exemplo, em vez de dizer “Você é irresponsável e não entrega as tarefas no prazo”, dizer “Eu percebi que você não entregou o relatório que estava previsto para ontem”;
  • Identificar os sentimentos que os fatos despertam em nós. Por exemplo, em vez de dizer “Você me irrita com essa sua falta de compromisso”, dizer “Eu me sinto frustrado quando você não cumpre os prazos acordados”;
  • Reconhecer as necessidades que estão por trás dos sentimentos. Por exemplo, em vez de dizer “Você tem que se esforçar mais e fazer as coisas direito”, dizer “Eu preciso que você seja mais pontual e organizado, pois isso afeta o andamento do projeto e a qualidade do nosso trabalho”;
  • Fazer um pedido claro e específico para atender as necessidades. Por exemplo, em vez de dizer “Você tem que mudar essa sua postura”, dizer “Você poderia me enviar o relatório até amanhã às 10h e me avisar se tiver algum problema ou dificuldade?”.

Utilizando a CNV no ambiente de trabalho, podemos construir relações mais harmoniosas, autênticas e eficazes, beneficiando tanto a nós mesmos quanto aos nossos colegas, clientes e gestores.

A aprendizagem da Comunicação Não-Violenta acontece de maneira gradativa.

Primeiro tomamos consciência que ela existe, aprendemos com os exemplos, começamos a identificar situações onde podemos observar (e não julgar) e aos poucos vamos aplicando os componentes, de maneira estruturada e intencional.

Com o passar do tempo colhemos os frutos dessa nossa insistência em melhorar as relações conosco e com as outras pessoas, buscando viver num mundo mais harmonioso e pacífico.

A Comunicação Não-Violenta é uma das principais habilidades de uma liderança regenerativa.

Quer saber mais?

Confira nosso blog post Abordagem Regenerativa para ESG e Liderança.

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Gabriel Seixas

Um ser humano que está sempre em busca de aprendizado e auto-conhecimento. Foi ao longo do tempo descobrindo áreas de interesse, sempre acompanhado de muita leitura e rodas de conversa. Fez parte da AIESEC por 3 anos onde aprendeu a se relacionar com diferentes culturas e a trabalhar em equipe. Fez um intercâmbio social no Egito e de lá foi direto para Bangladesh aprender com o pai dos Negócios Sociais e prêmio Nobel - Muhammad Yunus - como construir negócios que equilibram lucro e propósito. Trabalhou na Associação Aliança Empreendedora e entendeu que seu papel profissional é estar em espaços onde é possível o diálogo e a construção coletiva para um mundo melhor. Gabriel é Engenheiro Eletricista (UTFPR - Curitiba) com especialização em Empreendedorismo e Negócios Sociais (FAE Business School – Curitiba). Também realizou alguns cursos livres na área da saúde (Práticas Integrativas - Curitiba) e comunicação (Marketing digital - online).

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